Las trampas de la fé | 2022
Curadoria: André Fernandes
Galeria Quarta Parede | SP, Brasil
A arte do cubano Alexis Iglesias Exposição aproxima percepção e crença ao processo artístico pictórico
Inaugura no próximo dia 20 de março, na Galeria Quarta Parede, a exposição Las trampas de la fe, de Alexis Iglesias, artista cubano que reside no Brasil desde 1993.
A mostra reúne um conjunto de seis telas e uma instalação que atravessa o espaço. A maioria dos trabalhos são inéditos e foram produzidos durante o período de quarentena.
Entretelas, entremundos:
Condição humana da insularidade cuja síntese é a vida como processo artístico
André Fernandes
São Paulo, fev 2022
Na exposição Las trampas de fe (2022), na Galeria Quarta Parede, em São Paulo, o cubano Alexis Iglesias evidencia o que está na base da construção artística: percepção e crença – percepção do mundo pelos sentidos e crença de que existe um desejo permanente de transformá-los em linguagem. As armadilhas apresentam-se ao fazer coincidir experiência e mundo. Desse modo, a pintura é para o artista uma possibilidade de produzir outras realidades, utilizando o que aprendeu na Academia de Belas-Artes San Alejandro, a fim de dialogar com a história da pintura sem se descolar completamente da vida.
Desde que chegou ao Brasil vindo de Cuba em 1993, Alexis Iglesias dedicou-se principalmente à pintura, dando a ela o mesmo estatuto de respirar, caminhar, comer, dormir, transar, porque entende que razão, imaginação e entendimento não devem ser separados, tampouco hierarquizados quanto ao privilégio de um ou de outro, cujo risco é incorrer em abstrações vazias ou numa experiência caótica. Por isso, o título da exposição destaca aquilo que está na base da construção da realidade.
O debate a que Alexis Iglesias se propõe a desenvolver brinca no jardim das pinturas. Brinca em pelo menos dois sentidos, jogando com a técnica e com as relações entre as imagens, sem necessariamente se deixar deter pelas categorias: academicismo e modernismo, figurativo e abstrato, história e subjetividade, e tensionando as relações do que chama de “sua cozinha”, isto é, do interior da pintura, o que pode conduzir à pergunta em que medida a imagem não é ação e produtora de consequências na realidade e a realidade na imagem, essa imagem que faz da alegoria seu veículo?
“Alegoria é a metáfora continuada como tropo de pensamento, e consiste na substituição do pensamento em causa por outro pensamento, que está ligado, na relação de semelhança, a esse pensamento.” (LAUSBERG, H. Manual de retórica literaria, Madrid, Gredo, 1976, t. II, 283 e ss. apud HANSEN, J. Alegoria, São Paulo, Hedra, 2006, p.7)
Alegoria compreende então um modo; não algo abstrato, mas carne da experiência que cria mundos. Emprestando seu olhar e fornecendo indícios de intuição, experiência, princípios e distâncias, o artista concede particular atenção à dignidade do processo criativo, ao mostrar como compreende o próprio processo, que coincide com seu estar no mundo. Pois é daí que se precipitam perguntas sobre superfícies luminosas e opacas que refletem imagens e sombras, resultados das escolhas artísticas.
Em Mal-estar do desejo (2022), por exemplo, Alexis apresenta uma elaboração da conhecida tela As meninas (1656), de Velázquez, onde a infanta Margarida e entourage são surpreendidas pela presença do rei Felipe IV de Espanha, enquanto o artista trabalha. Chama atenção que no século XVII o pintor apareça quase ao centro da tela e olhe para fora dela. Alexis se apropria dessa imagem para chamar atenção para o processo criativo. A apropriação é indicada pelo aspecto inacabado da pintura em aguadas e pelo apagamento de detalhes para dizer expressamente que em nenhum momento pretende imitá-la. Nesse sentido, a escolha da técnica situa a pintura distante da cópia e mais próxima do esboço. A apropriação é antes um gesto para lembrar que o ofício do pintor conserva certa dignidade no espaço íntimo da criação. E, ao fazer isso, Alexis diferencia etapas e processos artísticos, a saber, quando o que há é apenas uma cogitação no artista, quando cogitação se materializa no seu fazer com tintas, pincéis e tela e, por fim, ao tornar-se produto simbólico capaz de mediar relações. A diferença nos detalhes, como dispor apenas a silhueta do pintor, designa alguma percepção crítica de si mesmo, mostrando que não necessita sequer que os olhos permaneçam. Essa alusão ao olhar e ver uma realidade é uma alusão negativa, tanto para o olhar quanto para a realidade, pois supõe que jamais uma realidade é dada, mas construída. É desse modo que os olhares do fundo do espelho mais ao centro da tela parecem fornecer a evidência da dúvida ao revelar a cara do espectador. Aí está a ironia, supor que o artista revela algo; de fato, mostra a dúvida em relação ao que vê e ao que crê, como que dizendo: “crer… creia quem vê”.
Na construção desse jogo de relações, projeções e reflexos difusos, há ainda outros elementos.
Uma mancha dourada desce verticalmente como resultado do gesto que é olhar, e olhar de novo e, talvez, vislumbrar outras possibilidade, pois como já se disse: um clássico é aquilo que começa e nunca termina de dizer. O gesto é a tentativa encontrar na imagem algo que a atualiza sob uma outra aparência. No caso, perguntando: como cada um e todos estão presentes no mundo, para comutar figura e realidades por meio de ação pictórica. Ou, ainda, de modo mais próximo: onde está atenção enquanto o artista realizaseu trabalho? Provavelmente, a atenção dos corpos deslizantes está capturada em telas luminosas de onde os reflexos os miram fixamente, revelando suas caras, sem que se apercebam. Hoje, tudo passa rápido demais. E qual será o mal-estar do desejo? O artista mostra por meio de um aparelho estranho, em planos variados, que é a impossibilidade de se demorar, sem poder olhar e olhar novo as coisas do mundo pelos meios da pintura e articular as partes pela linguagem que fazem mundos muito mais lentamente.
Em outro dos trabalhos, Experiência do vazio (2021-2022), o mesmo aparelho investiga a paisagem de outro plano, como se a pintura de gênero estivesse num outro tempo, como uma realidade virtual inalcançável, de onde se descola um rumor de mar, quase silêncio, sugerindo o absurdo, apesar do gesto, apesar do movimento, apesar da linguagem da qual escorre algo que insinua a impossibilidade de captar tudo, como se tudo estivesse posto e não houvesse causa, apenas tudo existisse, como em Acidente da matéria (2020). O ser humano como um grão de areia então pode ser acidente da matéria, mas todos estão vivos ou, diria Duchamp, “quem morre são os outros”, e vivos produzem linguagem insuficiente como condição humana. Em A fonte tudo se reduz… a mesa vazia onde todos estiveram presentes e já não estão, memento mori, mais uma vez um silêncio entre os homens e o ruído explode nas coisas.
Outro elemento, um aparelho delgado, personagem da alegoria da ação sem causa, expõe as dúvidas quanto às possibilidades das linguagem humanas, a necessidade de falar e retomar a fala até que se dê alguma aproximação com o outro, apesar de toda dessemelhança. A produção de uma linguagem é uma busca sem descanso. Assim, Alexis Iglesias parece dispor-se num espaço entre, numa antessala, apostando na construção de valores íntimos, nas relações comunitárias ausentes no dia a dia, tais são os personagens da ceia. De onde surge a pergunta: de que modo a imagem não constrói uma realidade as demais realidades? De que modo se diferenciam? Representação, imitação, alegoria, coisas do mundo, princípios, crença, todas supõem uma linguagem e um território. Para Alexis, trata-se de ver pela pintura como podem se ampliar os horizontes dessa exploração.
É necessário dizer então que em seu desejo de fundar um território na vida que o artista se inscreve em pinturas cujos planos parecem divergir que reivindica a possibilidade de transitar da mesma maneira entre elas, lançando mão de sua liberdade, seu território e sua imaginação, sem ingenuidade. Não à toa, o último trabalho feito para a exposição é a instalação Ironia do desejo (2022), na qual desenho, fios e cerâmicas tomam o espaço em formas que remetem às telas como num retorno cíclico de seu esforço. Desse modo, esses trabalhos podem ser tomados numa espécie de dimensão meditativa e metafísica, que do espírito saem e a ele retornam, não apenas como uma imagem a ser vista, mas como uma realidade a ser dividida – o testemunho de uma experiência plástica – mais do que uma recordação, uma atmosfera do que se perde na linguagem. Pois, se o que está em jogo numa batalha concreta, é um território, que ao fim da batalha é muita vez esquecido, deixado de lado, o que há de mais importante num enfrentamento entre campos de forças são as narrativas que constituem a alegoria: um lugar do qual não se pode ser desterrado –, para o artista, o próprio entendimento da arte. Aquele que rege as relações dessa batalha imaginária, que ao recuperar em telas conhecidas intervém com aprópria história, com narrativas que lhe foram contadas, onde descansa num lugar digno o que aprendeu na Academia de Belas Artes San Alejandro.
Finalmente, resta situar Alexis Iglesias na vida. Em 1993, imigrou de Havana a São Paulo, onde permanece estrangeiro. Estrangeiro é condição que nunca se dissipa totalmente, língua, silêncios e documentos oficiais. Apesar dos diálogos a que se lança, da aproximaçãocom a cultura alheia, essa condição errante é parte do que se mostra entre uma história totalizante e uma plausibilidade simbólica particular. Dessa mediação entre signos perdidos aparece algo que se perdeu na tradução. E é esse algo que deve ser procurado aqui, pois o artista reivindica sua liberdade criativa e seu fazer nesse espaço que supõe um observador maduro e autônomo, capaz de enxergar o que deixou cujo valor para ele é inestimável
Audios depoimentos das obras da exposição Las trampas de la fe.
Mal-estar do desejo, 2022
Dom, 2016
O lugar do tempo, 2018
Ironia do desejo, 2022
A fonte, 2021
Acidente da matéria, 2020
Experiência do vazio, 2021-2022
SALTO | 2012
Curadoria: Andrés I. M. Hernández
Central Galeria Arte Contemporânea | SP, Brasil
Dissolvendo fronteiras
Os trabalhos apresentados na exposição na Central Galeria de Arte, agora, são pinturas que partem de objetos reconhecíveis como um barco ou um globo terrestre antigo. Inevitável notar aqui a relação que ambos mantêm com a ilha, cercada de mar por todos os lados. A ”maldita circunstancia da água por todas” .
Ao mesmo tempo, trazem também referências menos imediatas como estruturas de DNA e obras de outros artistas, que apontam cada uma a seu modo, para uma ideia de miscigenação muito presente na cultura cubana.
Dissolvendo fronteiras
Andrés I. M. Hernández
São Paulo, setembro 2012
O mundo da arte pluralista exige uma crítica de arte pluralista, e isso significa, em minha concepção, uma crítica que não depende de uma narrativa histórica excludente, mas que toma cada obra em seus próprios termos, em termos de suas causas, de seus significados, de suas referências e do modo como esses itens são materialmente incorporados e como devem ser compreendidos.
Arthur Danto
Formado em Artes Visuais em Cuba, Alexis traz na bagagem uma sólida formação em História da Arte. O artista fez parte da chamada Geração 90 cubana, sob a influência de várias transformações socioeconômicas que o país passava. Isso se refletiu, entre outras coisas, em um acesso maior à informação sobre o debate artístico internacional. Iglesias, portanto, tem condições de refletir sobre a história da arte mundial de um ponto de vista muito particular que é o cubano. Escrever sobre o trabalho de Alexis Iglesias traz todas as dificuldades subjacentes à apreciação da produção artística contemporânea. Além disso, trata-se de um artista jovem que se dedica à pintura numa época em que a mesma perdeu a centralidade que ocupava na arte e na Teoria da Arte moderna.
Os trabalhos apresentados na exposição na Central Galeria de Arte, agora, são pinturas que partem de objetos reconhecíveis como um barco ou um globo terrestre antigo. Inevitável notar aqui a relação que ambos mantêm com a ilha, cercada de mar por todos os lados. A ”maldita circunstancia da água por todas” . Ao mesmo tempo, trazem também referências menos imediatas como estruturas de DNA e obras de outros artistas, que apontam cada uma a seu modo, para uma ideia de miscigenação muito presente na cultura cubana.
Iglesias apresenta em suas pinturas a redução de objetos a uma estrutura vazada, a uma espécie de esqueleto das coisas. São linhas sem preenchimento, como se fossem projetos aguardando futura execução. Os objetos cotidianos – alguns artesanais, outros com fortes referências da história são desnudados, mantendo as estruturas flutuando ou fixadas por cordas como títeres. Ou talvez, como brinquedos de crianças, que trazem uma leveza como se deles tivesse sido retirada toda a matéria. Torna-se, então, importante entender como as obras apresentadas explicitam a diferença entre uma produção artesanal e uma artística, evidenciando serem a consequência de uma realidade alicerçada na ideia de obter o máximo de qualidade e o mínimo de quantidade, contrária a uma produção em série indiferenciada.
O artista utiliza em suas obras diferentes técnicas e suportes. O contraste evidenciado nas pinturas atuais entre leveza e peso afinal, sabemos que os objetos não podem estar flutuando sozinhos, eles têm peso e estão suspensos por fios a uma superfície que permanece fora da tela já estava presente em uma série de desenhos em que os motivos representados parecem extrapolar os limites do suporte e assemelham-se a esboços de esculturas imaginárias.
Nestes desenhos a imagem extrapola o suporte como se as figuras representadas estivessem no limite do espaço. Aparecem manchas de cores escuras cujas bordas delimitam formas “esculturais”, funcionando como uma fronteira entre a produção anterior e a produção recente do artista, incluindo as pinturas em exposição.
A relação entre a figura representada e o espaço em torno dela é sempre tensa nos trabalhos do artista. Tudo se passa como se o fundo e a figura não conseguissem estabelecer uma harmonia e fossem forças em sentidos opostos lutando por espaço no interior do trabalho. Nas pinturas em questão, por vezes, o fundo invade a figura, como se estivesse em primeiro plano. A rigidez com que essas estruturas se constituem entram em contraste com o aspecto escorrido do fundo, com a liquidez da tinta que sua pintura transparece. Manchas formadas por linhas e camadas de cores percorrem a superfície da tela como cascatas que deslizam desde um topo invisível, atravessando a tela e seguindo verticalmente até uma base imperceptível. As figuras e os jorros de tinta flutuam na superfície da tela estabelecendo uma relação figura x fundo em que a tridimensionalidade dos objetos é lavada sempre por uma torrente de tinta na superfície da pintura. Surge assim “uma fronteira que, como uma pele, [….]contamina e se deixa contaminar, tornando-se um local de trocas”
As estruturas que surgem dos trabalhos de Iglesias instauram uma cadeia de associações que envolvem som, matéria, forma, inércia e conteúdo. Observa-se um forte apreço por uma representação verossimilhante dos objetos que lembra o registro fotográfico, pela instantaneidade da representação e pelo efêmero da composição. Reafirmando a colocação de Roland Barthes em A Câmara Clara que “a pintura pode fingir a realidade sem tê-la visto; seus referentes poderiam ser e o foram com bastante frequência ‘quimeras’ . Esta colocação, diante da evidencia pictórica nas obras do Iglesias, nos possibilita pensar no “Isto já não é”. O “ isto foi” , reafirmando o “ isto já não é ” , e distingue a maleabilidade da imagem: espaço ótimo para a nostalgia que é ao mesmo tempo espaço para a dúvida; certificado de presença, que simultaneamente se apresenta como um certificado de ausência; espelho da realidade que pode ser, potencialmente, mascara e simulacro. Mas toda a afirmação contida na presença desses objetos é questionada pelo fundo que intervém de modo a apagar contornos, confundir distâncias e denunciar a planaridade da superfície pictórica que os objetos parecem dissimular, uma vez que são feitos em perspectiva. Desta forma “ a planaridade pictórica transforma-se na forca de disrupção e desvio da frontalidade”
Os títulos das pinturas que o artista apresenta La Edad de Oro, Caridad del Cobre , Paradoxos e Narciso evidenciam a transformação das vivências, referências e influências históricas, políticas e pessoais do artista em ações estéticas.
– La Edad de Oro
A obra de Alexis acaba por ser uma metáfora que se realiza por meio da combinação de elementos, mesmo literários, presentes na obra de referência. Nela, a relação entre a estrutura e as cores e entre as cores em si também guarda uma relação sui generis. A fantasia que ronda um objeto histórico agrupa o todo por meio de uma estrutura central cujas peças têm a forma de ferradura. Das bordas, os jorros pictóricos se derramam bidimensionalmente, suspensos como triunfo ou como decadência. Dando a sensação de impossibilidade de acesso como se colunas de cores o impedissem de afirmar-se plenamente.
Várias linhas seguram o anel como se fixassem em nossa memória os poemas ou contos que, às vezes, pela repetição ou pelo gosto, nos acompanham durante toda a vida. Não há apenas referência ao metal sólido e precioso na composição, há também o verde do cobre, o azul do mar ou a hibridez resultante da mistura que se aproxima a nossas vivências nas quais nem tudo é ouro.
As cordas que seguram as estruturas são muitas, como muitos são os assuntos, temas e novos conteúdos assimilados e representados por todas as gerações de artistas em Cuba: legitimação de artistas e intelectuais, religião, apropriação de códigos, insularidade, emigração, apologia ao corpo. Eles formam parte do cotidiano na música, na literatura, na culinária, e nas artes plásticas não poderia ser diferente.
Descrevo assim, de forma metafórica nestas obras, essa ênfase na relação entre cor, suporte, figura, objeto representado, temporalidade presente na produção pictórica do artista.
As obras apresentadas na exposição reforçam a ideia da pintura como um sistema de estratégias aprendidas que as torna uma representação cada vez mais adequada às experiências do artista, ainda que estejam pautadas numa realidade histórica e visual pouco familiar. Mas o significado dado às pinturas pode ser um tipo de significado adicional como desdobramento inconsciente daquele sentido pictórico concebido pelo artista na criação da obra.
METÁFORA DO EU | 2008
Curadoria: Andrés I. M. Hernández
Centro Universitário da USP Mariantonia | São Paulo, Brasil.
Por Fernanda Stica
São Paulo (AUN – USP) – Desenhos e pinturas do cubano Alexis Iglesias estão em uma mostra individual no Centro Universitário Maria Antonia, da USP. Com curadoria de Andrés Hernández, Metáforas do Eu percorre diferentes fases da carreira do artista, um dos principais nomes da chamada Geração 90 de Cuba.
As pinturas de Iglesias, criadas durante toda a década de 90 até 2001, apresentam uma tensão entre o figurativo e o abstrato. Objetos, como barcos, contrastam com formas geométricas e composições que remetem a projetos arquitetônicos e estruturas matemáticas. Os fundos das telas dão a idéia de movimento, com a fusão de cores intensas.
Divulgação
São Paulo (AUN - USP) - Desenhos e pinturas do cubano Alexis Iglesias estão em uma mostra individual no Centro Universitário Maria Antonia, da USP. Com curadoria de Andrés Hernández, Metáforas do Eu percorre diferentes fases da carreira do artista, um dos principais nomes da chamada Geração 90 de Cuba.
As pinturas de Iglesias, criadas durante toda a década de 90 até 2001, apresentam uma tensão entre o figurativo e o abstrato. Objetos, como barcos, contrastam com formas geométricas e composições que remetem a projetos arquitetônicos e estruturas matemáticas. Os fundos das telas dão a idéia de movimento, com a fusão de cores intensas.
Enquanto a profusão cromática dá o tom das pinturas, o toque mais suave e a presença de sombras chamam a atenção nos desenhos mais recentes, criados desde 2006. A atmosfera mágica, com elementos oníricos, é a marca das obras.
Nascido em Havana em 1968, o artista vive no Brasil desde 1993. Mas nem precisaria ter pisado em solo brasileiro para sua obra encontrar certa afinidade com os artistas tupiniquins. Brasil e Cuba sempre tiveram semelhanças. O clima, a alegria característica do povo, a riqueza cultural, a miscigenação e os problemas socioeconômicos são parecidos, o que reflete na produção de arte. Os dois países também absorveram de forma semelhante as vanguardas artísticas da Europa, mesclando-as à identidade nacional.
A exposição fica em cartaz até 24 de agosto, ao lado de outras quatro mostras individuais, com fotografias de Sofia Borges e instalações de Edith Derdyk. Destaque para os desenhos de Leonilson e a obra criada com fita isolante de Fernando Lindote.
Serviço:
Metáforas do Eu - Alexis Iglesias
Centro Universitário Maria Antonia R. Maria Antonia, 294 - Vila Buarque
Até 24 de agosto
de terça a sexta feira das 12 às 21 horas, sábados, domingos e feriados das 10 às 18 horas
entrada gratuita
10/07/2008 - Ano: 41 - Edição Nº: 69 - Sociedade - Centro Universitário Maria Antônia
Texto crítico
Metáforas do Eu
Texto catálogo – Centro Universitário da USP – MariAntonia
Andrés Inocente – 2007 (em português)
O mundo da arte pluralista exige uma crítica de arte pluralista, e isso significa, em minha concepção, uma crítica que não depende de uma narrativa histórica excludente, mas que toma cada obra em seus próprios termos, em termos de suas causas, de seus significados, de suas referências e do modo como esses itens são materialmente incorporados e como devem ser compreendidos.
Escrever sobre o trabalho de Alexis Iglesias traz todas as dificuldades subjacentes à apreciação da produção artística contemporânea. Além disso, trata-se de um artista jovem que se dedica à pintura numa época em que a mesma perdeu a centralidade que ocupava na arte – e na Teoria da Arte – moderna.
Procurarei discutir sua trajetória tomando como ponto de partida a idéia de que o contemporâneo é um período de desordem, cujas definições permanecem abertas, sem me preocupar com uma delimitação histórica precisa.
Formado em Artes Visuais em Cuba, Alexis traz na bagagem uma sólida formação em História da Arte. O artista fez parte da chamada Geração 90 cubana, sob a influência de várias transformações socioeconômicas que o país passava. Isso se refletiu, entre outras coisas, em um acesso maior à informação sobre o debate artístico internacional. Alexis, portanto, tem condições de refletir sobre a história da arte mundial de um ponto de vista muito particular que é o cubano.
Os trabalhos agora, são pinturas que partem de objetos reconhecíveis como um barco ou um globo terrestre antigo. Inevitável notar aqui a relação que ambos mantêm com a ilha, cercada de mar por todos os lados. Mas trazem referências menos imediatas como estruturas de DNA e obras de outros artistas, que apontam cada uma a seu modo, para uma idéia de miscigenação muito presente na cultura cubana.
Alexis apresenta em suas pinturas a redução de objetos a uma estrutura vazada, a uma espécie de esqueleto das coisas. São linhas sem preenchimento, como se fossem projetos aguardando futura execução. Os objetos cotidianos – alguns artesanais, outros com fortes referências da história – são desnudados, mantendo as estruturas flutuando ou fixadas por cordas como títeres. Ou talvez, como brinquedos de crianças, que trazem uma leveza como se deles tivesse sido retirada toda a matéria. Torna-se, então, importante entender como as obras apresentadas explicitam a diferença entre uma produção artesanal e uma artística, evidenciando ser uma conseqüência de uma realidade alicerçada na idéia de obter o máximo de qualidade e o mínimo de quantidade, contrária a uma produção em série indiferenciada.
Os trabalhos de Alexis utilizam diferentes técnicas e suportes. O contraste evidenciado nas pinturas atuais entre leveza e peso – afinal, sabemos que os objetos não podem estar flutuando sozinhos, eles têm peso e estão suspensos por fios a uma superfície que permanece fora da tela – já estava presente em uma série de desenhos em que os objetos retratados parecem extrapolar os limites do suporte e assemelham-se a esboços de esculturas imaginárias.
Os desenhos impressionam, em especial as séries acima mencionadas nas quais a imagem parece extrapolar o suporte como se as figuras representadas estivessem no limite do espaço. Posteriormente, produz a série em que o espaço cresce em relação à representação da imagem. No tríptico “sem titulo” estão manchas de cores escuras cujas bordas delimitam formas “esculturais”, funcionando como uma fronteira entre a produção anterior e a produção recente do artista, incluindo as pinturas em exposição. Na série de desenhos preparatórios para execução de esculturas, vemos a imagem de animais que podemos relacionar a períodos pré-históricos. Mesmo assim, nesta última série sempre aparece representado ao menos um objeto reconhecível de nosso cotidiano. Estes são desenhos escultóricos que surgem como esboços em pequenas dimensões que se agigantam em relação ao suporte, trazendo uma referência antecipada da futura tridimensionalidade.
A relação entre a figura representada e o espaço em torno dela é sempre tensa nos trabalhos do artista. Tudo se passa como se o fundo e a figura não conseguissem estabelecer uma harmonia e fossem forças em sentidos opostos lutando por espaço no interior do trabalho. Nas pinturas em questão, por vezes, o fundo invade a figura, como se estivesse em primeiro plano. A rigidez com que essas estruturas se constituem entram em contraste com o aspecto escorrido do fundo, com a liquidez da tinta que sua pintura transparece.Manchas formadas por linhas e camadas de cores percorrem a superfície da tela como cascatas que deslizam desde um topo invisível, atravessando a tela e seguindo verticalmente até uma base imperceptível. As figuras e os jorros de tinta flutuam na superfície da tela estabelecendo uma relação figura x fundo em que a tridimensionalidade dos objetos é lavada sempre por uma torrente de tinta na superfície da pintura.
As estruturas que surgem dos trabalhos de Alexis instauram uma cadeia de associações que envolvem som, matéria, forma, inércia e conteúdo. Observa-se um forte apreço por uma representação verossimilhante dos objetos que lembra o registro fotográfico, pela instantaneidade da representação e pelo efêmero da composição. Mas toda a afirmação contida na presença desses objetos é questionada pelo fundo que intervém de modo a apagar contornos, confundir distâncias e denunciar a planaridade da superfície pictórica que os objetos parecem dissimular, uma vez que são feitos em perspectiva.
Os títulos das pinturas que o artista apresenta – La Edad de Oro, Caridad del Cobre, Paradoxos e Narciso – evidenciam a transformação das vivências, referências e influências históricas, políticas e pessoais do artista em ações estéticas. – La Edad de Oro (1) A obra de Alexis acaba por ser uma metáfora que se realiza por meio da combinação de elementos, mesmo literários, presentes na obra de referência. Nela, a relação entre a estrutura e as cores e entre as cores em si também guarda uma relação sui generis. A fantasia que ronda um objeto histórico agrupa o todo por meio de uma estrutura central cujas peças têm a forma de ferradura. Das bordas, os jorros pictóricos se derramam bidimensionalmente, suspensos como triunfo ou como decadência. Dando a sensação de impossibilidade de acesso como se colunas de cores o impedissem de afirmar-se plenamente. Várias linhas seguram o anel como se fixassem em nossa memória os poemas ou contos que, às vezes, pela repetição ou pelo gosto, nos acompanham durante toda a vida. Não há apenas referência ao metal sólido e precioso na composição, há também o verde do cobre, o azul do mar ou a hibridez resultante da mistura que se aproxima a nossas vivências nas quais nem tudo é ouro.
Ao observar Caridad del Cobre (2), talvez, a obra nos remeta a uma embarcação, símbolo de insularidade. Ela agora está vazia, como se o tempo tivesse corroído sua estrutura externa. Mesmo mantendo-se suspensa e protegida, como relíquia em exposição, foi sendo destruído o objeto até restar apenas a carcaça. As correntes marinhas representadas em laranja cedem espaço para as cores verde azuladas, como as águas do Caribe, na parte em que está situada a popa do grande bote (Quem sabe é Yemayá, irmã da Virgem de la Caridad del Cobre, que cumprimenta).
As cordas que seguram a estrutura são muitas, como muitos são os assuntos, temas e novos conteúdos assimilados e representados por todas as gerações de artistas em Cuba: legitimação de artistas e intelectuais, religião, apropriação de códigos, insularidade, emigração, apologia ao corpo. Eles formam parte do cotidiano na música, na literatura, na culinária, e nas artes plásticas não poderia ser diferente.
Descrevo assim, de forma metafórica nesta obra, essa ênfase na relação entre cor, suporte, figura, objeto representado, temporalidade presente na produção pictórica do artista.
As obras apresentadas na exposição reforçam a idéia da pintura como um sistema de estratégias aprendidas que as torna uma representação cada vez mais adequada às experiências do artista, ainda que estejam pautadas numa realidade histórica e visual pouco familiar. Mas o significado dado às pinturas pode ser um tipo de significado adicional como desdobramento inconsciente daquele sentido pictórico concebido pelo artista na criação da obra.
A PROMESSA | 1998
Espaço Henfil de Cultura | São Bernardo do Campo – SP, Brasil
Instalações – 1997
Cada peça tem sua história onde me proponho trabalhar a idéia contemporânea da instalação como projeto multi- expressivo e aproximando-me do mundo primitivo. Através das culturas pré-colombianas e indígenas, o ritual, a imaginária popular, a filosofia e astrologia estabelecendo a relação obra – expectador, não só como uma reflexão intelectual, mas numa experiência mágica e filosófica.
As obras são um núcleo de símbolos, signos, círculos concêntricos, imagem do homem, espirais, pontos cardeais. Pesquiso diferentes materiais como madeira, terra, argila, pedra, carvão e outros.
A Promessa – Instalações
Alexis Iglesias
São Paulo, 1997
Cada peça tem sua história onde me proponho trabalhar a idéia contemporânea da instalação como projeto multi- expressivo e aproximando-me do mundo primitivo. Através das culturas pré-colombianas e indígenas, o ritual, a imaginária popular, a filosofia e astrologia estabelecendo a relação obra – expectador, não só como uma reflexão intelectual, mas numa experiência mágica e filosófica.
As obras são um núcleo de símbolos, signos, círculos concêntricos, imagem do homem, espirais, pontos cardeais. Pesquiso diferentes materiais como madeira, terra, argila, pedra, carvão e outros. Também, a relação deles dentro de uma mesma idéia e seu próprio significado expressivo me possibilitam uma aproximação as origens das imagens do pensamento.
Essas instalações são, para mim, respostas à complexa relação do homem com sua história. São metáforas daqueles momentos em que o ser humano tentou canalizar alguns objetivos de sua existência; o significado do herói, a relação do nosso mundo com a fé, os domínios do homem e o conflito com suas criações.
Interesso-me pela magia a maneira de um primitivo e sua alegoria pictórica nas cavernas. O crente de hoje montando um altar caseiro, o homem que mapeia os astros para organizar suas origens e colocar-se em pé em seu mundo, recompondo seus valores e justificando seu passo pela vida.
Procuro mostrar o mundo contemporâneo como sequencia de um processo introspectivo e de criações, cujo curso tem sido violentado por intensos desgarres.
Extructuras de Vivir | 1992
Primeira mostra pessoal | 1992
Galeria Domingo Ravenet | Havana, Cuba
Os Brinquedos dos Deuses
Carmen Novo
Pensar na história é dado fundamental para a leitura e compreensão de uma obra de arte. Nenhuma produção artística está isenta de influencias de qualquer ordem, por que tampouco o artista vive isolado.
Na serie de desenhos que o artista apresenta, o espectador é colocado na posição de um deus, que observa cenas ou paisagens que mais se parecem a brinquedos ou jogos. Peças geométricas, construções, monumentos, crianças e elementos religiosos são como peças nessa vista aérea. O observador, nesse momento, parece poderoso.
Os Brinquedos dos Deuses
Carmen Novo
São Paulo, 1994
Pensar na história é dado fundamental para a leitura e compreensão de uma obra de arte. Nenhuma produção artística está isenta de influências de qualquer ordem, porque tampouco o artista vive isolado.
Alexis Iglesias veio de Cuba, há pouco mais de dois anos, para viver no Brasil. É um artista formado numa das melhores escolas de artes plásticas d América Latina, sem dúvidas, sua formação intelectual e técnica é diferente do que acontece com a maior parte dos artistas brasileiros. Sua forma de pensar o trabalho é rigorosa; envolve pesquisas simbológicas, estudos de composição e uma série de esboços, o que faz com que sua produção não seja numerosa.
Na série de desenhos que o artista apresenta, o espectador é colocado na posição de um deus, que observa cenas ou paisagens que mais se parecem a brinquedos ou jogos. Peças geométricas, construções, monumentos, crianças e elementos religiosos são como peças nessa vista aérea. O observador, nesse momento, parece poderoso.
Esse caráter lúdico reforça a intenção de refletir sobre uma ideia, a partir da quase possibilidade de movimentar os elementos do desenho criando outras relações. Não há como resistir a tanto poder nas mãos e como recusar a proposta de pensar sobre o que está vendo. É mais simples associar as imagens com elementos encontrados pelas cidades cubanas, mas devemos lembrar que estes existem e estão espalhados por toda a América. São as nossas identificações culturais. O que nos aproxima uns dos outros, que estão aí retratadas ora com traços de ilustração ora com todas as técnicas acadêmicas.
Quando Alexis elege os símbolos que irão compor seus trabalhos, está pretendendo universalizar as informações visuais e o pensamento sobre o que e que é o homem contemporâneo. É seduzindo com o poder da reflexão e de estar acima de qualquer coisa, que seus desenhos permanecem com aparência tranquila e silenciosa na memória de cada um. A única inquietação parte dos sons vindos de nossas descobertas.